GRANDES OBRAS


O Cavalo que Defecava Dinheiro

Leandro Gomes de Barros

Na cidade de Macaé
Antigamente existia
Um duque velho invejoso
Que nada o satisfazia
Desejava possuir
Todo objeto que via

Esse duque era compadre
De um pobre muito atrasado
Que morava em sua terra
Num rancho todo estragado
Sustentava seus filhinhos
Na vida de alugado.

Se vendo o compadre pobre
Naquela vida privada
Foi trabalhar nos engenhos
Longe da sua morada
Na volta trouxe um cavalo
Que não servia pra nada

Disse o pobre à mulher:
_ Como havemos de passar?
O cavalo é magro e velho
Não pode mais trabalhar
Vamos inventar um "quengo"
Pra ver se o querem comprar.

Foi na venda e de lá trouxe
Três moedas de cruzado
Sem dizer nada a ninguém
Para não ser censurado
No fiofó do cavalo
Foi o dinheiro guardado

Do fiofó do cavalo
Ele fez um mealheiro
Saiu dizendo: _ Sou rico!
Inda mais que um fazendeiro,
Porque possuo o cavalo
Que só defeca dinheiro.

Quando o duque velho soube
Que ele tinha esse cavalo
Disse pra velha duquesa:
_Amanhã vou visitá-lo
Se o animal for assim
Faço o jeito de comprá-lo!

Saiu o duque vexado
Fazendo que não sabia,
Saiu percorrendo as terras
Como quem não conhecia
Foi visitar a choupana,
Onde o pobre residia.

Chegou salvando o compadre
Muito desinteressado:
_Compadre, Como lhe vai?
Onde tanto tem andado?
Há dias que lhe vejo
Parece está melhorado...

_É muito certo compadre
Ainda não melhorei
Porque andava por fora
Faz três dias que cheguei
Mas breve farei fortuna
Com um cavalo que comprei.

_Se for assim, meu compadre
Você está muito bem!
É bom guardar o segredo,
Não conte nada a ninguém.
Me conte qual a vantagem
Que este seu cavalo tem?

Disse o pobre: _Ele está magro
Só o osso e o couro,
Porém tratando-se dele
Meu cavalo é um tesouro
Basta dizer que defeca
Níquel, prata, cobre e ouro!

Aí chamou o compadre
E saiu muito vexado,
Para o lugar onde tinha
O cavalo defecado
O duque ainda encontrou
Três moedas de cruzado.

Então exclamou o velho:
_Só pude achar essas três!
Disse o pobre: _Ontem à tarde
Ele botou dezesseis!
Ele já tem defecado,
Dez mil réis mais de uma vez.

_Enquanto ele está magro
Me serve de mealheiro.
Eu tenho tratado dele
Com bagaço do terreiro,
Porém depois dele gordo
Não quem vença o dinheiro...

Disse o velho: _meu compadre
Você não pode tratá-lo,
Se for trabalhar com ele
É com certeza matá-lo
O melhor que você faz
É vender-me este cavalo!

_Meu compadre, este cavalo
Eu posso negociar,
Só se for por uma soma
Que dê para eu passar
Com toda minha família,
E não precise trabalhar.

O velho disse ao compadre:
_Assim não é que se faz
Nossa amizade é antiga
Desde os tempo de seus pais
Dou-lhe seis contos de réis
Acha pouco, inda quer mais?

_Compadre, o cavalo é seu!
Eu nada mais lhe direi,
Ele, por este dinheiro
Que agora me sujeitei
Para mim não foi vendido,
Faça de conta que te dei!

O velho pela ambição
Que era descomunal,
Deu-lhe seis contos de réis
Todo em moeda legal
Depois pegou no cabresto
E foi puxando o animal.

Quando ele chegou em casa
Foi gritando no terreiro:
_Eu sou o homem mais rico
Que habita o mundo inteiro!
Porque possuo um cavalo
Que só defeca dinheiro!

Pegou o dito cavalo
Botou na estrebaria,
Milho, farelo e alface
Era o que ele comia
O velho duque ia lá,
Dez, doze vezes por dia...

Aí o velho zangou-se
Começou loga a falar:
_Como é que meu compadre
Se atreve a me enganar?
Eu quero ver amanhã
O que ele vai me contar.

Porém o compadre pobre,
(Bicho do quengo lixado)
Fez depressa outro plano
Inda mais bem arranjado
Esperando o velho duque
Quando viesse zangado...

O pobre foi na farmácia
Comprou uma borrachinha
Depois mandou encher ela
Com sangue de uma galinha
E sempre olhando a estrada
Pré ver se o velho vinha.

Disse o pobre à mulher:
_Faça o trabalho direito
Pegue esta borrachinha
Amarre em cima do peito
Para o velho não saber,
Como o trabalho foi feito!

Quando o velho aparecer
Na volta daquela estrada,
Você começa a falar
Eu grito: _Oh mulher danada!
Quando ele estiver bem perto,
Eu lhe dou uma facada.

Porém eu dou-lhe a facada
Em cima da borrachinha
E você fica lavada
Com o sangue da galinha
Eu grito: _Arre danada!
Nunca mais comes farinha!

Quando ele ver você morta
Parte para me prender,
Então eu digo para ele:
_Eu dou jeito ela viver,
O remédio tenho aqui,
Faço para o senhor ver!

_Eu vou buscar a rabeca
Começo logo a tocar
Você então se remaxa
Como quem vai melhorar
Com pouco diz: _Estou boa
Já posso me levantar.

Quando findou-se a conversa
Na mesma ocasião
O velho ia chegando
Aí travou-se a questão
O pobre passou-lhe a faca,
Botou a mulher no chão.

O velho gritou a ele
Quando viu a mulher morta:
_Esteja preso, bandido!
E tomou conta da porta
Disse o pobre: _Vou curá-la!
Pra que o senhor se importa?

_O senhor é um bandido
Infame de cara dura
Todo mundo apreciava
Esta infeliz criatura
Depois dela assassinada,
O senhor diz que tem cura?

Compadre, não admito
O senhor dizer mais nada,
Não é crime se matar
Sendo a mulher malcriada
E mesmo com dez minutos,
Eu dou a mulher curada!

Correu foi ver a rabeca
Começou logo a tocar
De repente o velho viu
A mulher se endireitar
E depois disse: _Estou boa,
Já posso me levantar...

O velho ficou suspenso
De ver a mulher curada,
Porém como estava vendo
Ela muito ensanguentada
Correu ela, mas não viu,
Nem o sinal da facada.

O pobre entusiasmado
Disse-lhe: _Já conheceu
Quando esta rabeca estava
Na mão de quem me vendeu,
Tinha feito muitas curas
De gente que já morreu!

No lugar onde eu estiver
Não deixo ninguém morrer,
Como eu adquiri ela
Muita gente quer saber
Mas ela me está tão cara
Que não me convém dizer.

O velho que tinha vindo
Somente propor questão,
Por que o cavalo velho
Nunca botou um tostão
Quando viu a tal rabeca
Quase morre de ambição.

_Compadre, você desculpe
De eu ter tratado assim
Porque agora estou certo
Eu mesmo fui o ruim
Porém a sua rabeca
Só serve bem para mim.

_Mas como eu sou um homem
De muito grande poder
O senhor é um homem pobre
Ninguém quer o conhecer
Perca o amor da rabeca...
Responda se quer vender?

_Porque a minha mulher
Também é muito estouvada
Se eu comprar esta rabeca
Dela não suporto nada
Se quiser teimar comigo,
Eu dou-lhe uma facada.

_Ela se vê quase morta
Já conhece o castigo,
Mas eu com esta rabeca
Salvo ela do perigo
Ela daí por diante,
Não quer mais teimar comigo!

Disse-lhe o compadre pobre:
_O senhor faz muito bem,
Quer me comprar a rabeca
Não venderei a ninguém
Custa seis contos de réis,
Por menos nem um vintém.

O velho muito contente
Tornou então repetir:
_A rabeca já é minha
Eu preciso a possuir
Ela para mim foi dada,
Você não soube pedir.

Pagou a rabeca e disse:
_Vou já mostrar a mulher!
A velha zangou-se e disse:
_Vá mostrar a quem quiser!
Eu não quero ser culpada
Do prejuízo que houver.

_O senhor é mesmo um velho
Avarento e interesseiro,
Que já fez do seu cavalo
Que defecava dinheiro?
_Meu velho, dê-se a respeito,
Não seja tão embusteiro.

O velho que confiava
Na rabeca que comprou
Disse a ela: _Cale a boca!
O mundo agora virou
Dou-lhe quatro punhaladas,
Já você sabe quem sou.

Ele findou as palavras
A velha ficou teimando,
Disse ele: _Velha dos diabos
Você ainda está falando?
Deu-lhe quatro punhaladas
Ela caiu arquejando...

O velho muito ligeiro
Foi buscar a rabequinha,
Ele tocava e dizia:
_Acorde, minha velhinha!
Porém a pobre da velha,
Nunca mais comeu farinha.

O duque estava pensando
Que sua mulher tornava
Ela acabou de morrer
Porém ele duvidava
Depois então conheceu
Que a rabeca não prestava.

Quando ele ficou certo
Que a velha tinha morrido
Boto os joelhos no chão
E deu tão grande gemido
Que o povo daquela casa
Ficou todo comovido.

Ele dizia chorando:
_Esse crime hei de vingá-lo
Seis contos desta rabeca
Com outros seis do cavalo
Eu lá não mando ninguém,
Porque pretendo matá-lo.

Mandou chamar dois capangas:
_Me façam um surrão bem feito
Façam isto com cuidado
Quero ele um pouco estreito
Com uma argola bem forte,
Pra levar este sujeito!

Quando acabar de fazer
Mande este bandido entrar,
Para dentro do surrão
E acabem de costurar
O levem para o rochedo,
Para sacudi-lo no mar.

Os homens eram dispostos
Findaram no mesmo dia,
O pobre entrou no surrão
Pois era o jeito que havia
Botaram o surrão nas costas
E saíram numa folia.

Adiante disse um capanga:
_Está muito alto o rojão,
Eu estou muito cansado,
Botemos isto no chão!
Vamos tomar uma pinga,
Deixe ficar o surrão.

_Está muito bem, companheiro
Vamos tomar a bicada!
(Assim falou o capanga
Dizendo pro camarada)
Seguiram ambos pra venda
Ficando além da estrada...

Quando os capangas seguiram
Ele cá ficou dizendo:
_Não caso porque não quero,
Me acho aqui padecendo...
A moça é milionária
O resto eu bem compreendo!

Foi passando um boiadeiro
Quando ele dizia assim,
O boiadeiro pediu-lhe:
_Arranje isto pra mim
Não importa que a moça
Seja boa ou ruim!

O boiadeiro lhe disse:
_Eu dou-lhe de mão beijada,
Todos os meus possuídos
Vão aqui nessa boiada...
Fica o senhor como dono,
Pode seguir a jornada!

Ele condenado à morte
Não fez questão, aceitou,
Descoseu o tal surrão
O boiadeiro entrou
O pobre morto de medo
Num minuto costurou.

O pobre quando se viu
Livre daquela enrascada,
Montou-se num bom cavalo
E tomou conta da boiada,
Saiu por ali dizendo:
_A mim não falta mais nada.

Os capangas nada viram
Porque fizeram ligeiro,
Pegaram o dito surrão
Com o pobre do boiadeiro
Voaram de serra abaixo
Não ficou um osso inteiro.

Fazia dois ou três meses
Que o pobre negociava
A boiada que lhe deram
Cada vez mais aumentava
Foi ele um dia passar,
Onde o compadre morava...

Quando o compadre viu ele
De susto empalideceu;
_Compadre, por onde andava
Que agora me apareceu?!
Segundo o que me parece,
Está mais rico do que eu...

_Aqueles seus dois capangas
Voaram-me num lugar
Eu caí de serra abaixo
Até na beira do mar
Aí vi tanto dinheiro,
Quanto pudesse apanhar!..

_Quando me faltar dinheiro
Eu prontamente vou ver.
O que eu trouxe não é pouco,
Vai dando pra eu viver
Junto com a minha família,
Passar bem até morrer.

_Compadre, a sua riqueza
Diga que fui eu quem dei!
Pra você recompensar-me
Tudo quanto lhe arranjei,
É preciso que me bote
No lugar que lhe botei!..

Disse-lhe o pobre: _Pois não,
Estou pronto pra lhe mostrar!
Eu junto com os capangas
Nós mesmo vamos levar
E o surrão de serra abaixo
Sou eu quem quero empurrar!..

O velho no mesmo dia
Mandou fazer um surrão.
Depressa meteu-se nele,
Cego pela ambição
E disse: _Compadre eu estou
À tua disposição.

O pobre foi procurar
Dois cabras de confiança
Se fingindo satisfeito
Fazendo a coisa bem mansa
Só assim ele podia,
Tomar a sua vingança.

Saíram com este velho
Na carreira, sem parar
Subiram de serra acima
Até o último lugar
Daí voaram o surrão
Deixaram o velho embolar...

O velho ia pensando
De encontrar muito dinheiro,
Porém secedeu com ele
Do jeito do boiadeiro,
Que quando chegou embaixo
Não tinha um só osso inteiro.

Este livrinho nos mostra
Que a ambição nada convém
Todo homem ambicioso
Nunca pode viver bem,
Arriscando o que possui
Em cima do que já tem.

Cada um faça por si,
Eu também farei por mim!
É este um dos motivos
Que o mundo está ruim,
Porque estamos cercados
Dos homens que pensam assim.




A Greve dos Bichos

Zé Vicente

Muito antes do dilúvio
Era o mundo diferente
Os bichos todos falavam
Melhor do que muita gente
E passavam boa vida
Trabalhando honestamente

O diretor dos Correios
Era o doutor jabuti
O fiscal do litoral
Era o matreiro siri
Que tinha como ajudante
O malandro do quati

O rato foi nomeado
Para chefe aduaneiro
Fazendo muita "muamba"
Ganhando muito dinheiro
Com camundongo ordenança
Vestido de marinheiro

O cachorro era cantor
Gostava de serenata
Andava muito cintado
De colete e de gravata
Passava a noite na rua
Mais o besouro e a barata

A cigarra muito pobre
Inda não era "farrista"
Ganhava cinco mil réis
Para ser telefonista
Mais foi cantar num teatro
E acabou como corista

O mosquito era enfermeiro
Tinha muita ocupação
Andava sempre zuindo
Dando na tropa injeção
Combatendo noite e dia
O micróbio da sezão

O diretor do Tesouro
Era o doutor gafanhoto
Andava sempre apressado
Num bom cavalo de choto
Que uma vez quebrou a perna
Dentro dum cano de esgoto

A saúva se ocupava
Na podação dos jardins
E tinha como ajudantes
Quatrocentos mucuins
Que já nesse velho tempo
Eram moleques ruins

O macaco sempre foi
Muito bem expediente
Passava a vida feliz
Sempre baludo e contente
Com sua sabedoria
Enganando toda gente

O burro, metido a sebo
Queria ser sabichão
Até chegou mesmo a ser
Diretor da Educação
Onde baixou portaria
Metendo... os pés pela mão

Do Telégrafo Sem Fio
Era o chefe caranguejo
Apesar de não saber
Daquele troço o manejo
Dava melhor pra tocar
Berimbau ou realejo

A mucura era empregada
Numa fábrica de extrato
O peru era na terra
Consertador de sapato
O calango quitandeiro
Só não vendia barato

Dona aranha era modista
A mosca sua empregada
Quando errava no serviço
Levava muita pancada
Mas no fim de pouco tempo
Já vivia acostumada

A guariba era uma negra
Destas mesmo brobobó
Que não se dava o respeito
Dançando no carimbó
Num chamego vergonhoso
Com o sobrinho do socó

Por causa dela, uma vez
Houve até pancadaria
Quebraram a perna do gato
Furaram os olhos do gia
E o mocó esmoreceu
Na presença da cotia

A picota, coitadinha
Teve um chilique na rua
Naquela barafunda
Apareceu a perua
Que ficou foi depenada
E completamente nua

Era o chefe de polícia
O comendador jumento
Que tomou as providências
Requeridas no momento
Mostrando que para o cargo
Só lhe faltava talento

Guariba foi deportada
Do centro da capital
Depois de enorme sentença
Dum processo federal
Que condenava a vadia
Por ofensas à moral

O jornal intitulado
Gazeta dos Animais
Combateu esse processo
Chamando a todos venais
Porém, comprado o seu dono
Fechou-se, não falou mais

O sobrinho do socó
Quando viu a coisa feia
Foi falar com seu padrinho
Que tinha bom pé-de-meia
E com peso de dinheiro
Pôs o juiz na cadeia

Nessa campanha medonha
Um bode pai de chiqueiro
Foi "bancar" o moralista
Mas desertou do terreiro
Por causa dumas histórias
Que revelou o carneiro

O porco, então, prometeu
Fazer de todos a cama
Dando lições de higiene
Querendo ter muita fama
Mas todo bicho sabia
Que ele morava na lama

Carrapato era fiscal
Preguiçoso e muito feio
Onde havia uma tramóia
Estava sempre no meio
Engordando doidamente
À custa do sangue alheio

A formiga era sovina
Mas amiga do trabalho
E tinha seu sindicato
Cada qual lá no seu galho
Acumulando no inverno
Folhas de maio e retalho

Tartaruga, pescadora
Era amiga da baleia
Tracajá guardava os ovos
Nos tabuleiros de areia
Mas a cobra só sabia
Falar mal da vida alheia

O tamanduá bandeira
Era muito adulador
Não saía de palácio
Mirando o governador
Até que enfim conseguiu
Ser juiz corregedor

E depois que se pegou
Naquela nova função
Foi dizer que tudo aquilo
Era simples galardão
De seu talento elevado
Mas, favor, isso é que não!

Naquele tempo existia
Teatro da natureza
Borboleta era querida
Por sua grande beleza
Era a melhor dançarina
Que se via na redondeza

Cururu era aplaudido
Como mágico perfeito
Engolindo fogo em brasa
Como quem bate no peito
Ganhando palmas a beça
Gozando muito respeito

Fez uma festa o veado
Em benefício do arraiá
Que já não tinha dinheiro
Nem pra comprar uma saia
E o cachorro foi cantar
Mas apanhou uma vaia

Urubu já nesse tempo
Era um grande aviador
Levando a correspondência
Aos bichos do interior
Conduzindo pelos ares
Cartas, postais e valor

A coruja era ama-seca
Dos filhos do papagaio
Que só viviam chorando
Dentro d'um grande balaio
Com medo de tempestade
De chuva grossa e de raio

Papagaio era estimado
E professor numa escola
Onde uma vez fez exame
A turma do tatu-bola
Que foi toda reprovada
E levou pau na cachola

Ia tudo muito bem
Ganhando alegre o seu pão
Mas, uma vez o quati
Se alvorando a sabichão
Falou a necessidade
De fazer revolução

Pedindo logo a palavra
Foi, de fato, extraordinário
Quando afirmou que o trabalho
Precisava de outro horário
E lembrou de se aumentar
Da bicharada o salário

O burro, então, bateu palma
Gritando, muito emproado:
"Muito bem, isto é verdade
Eu já vivo maltratado
De trabalhar para os outros
Como um pobre condenado"

O cavalo relinchando
Seu sofrimento descreve
E pede que o movimento
Seja mesmo para breve
Que em todo o reino se faça
Estalar medonha greve

Vendo a coisa pegar fogo
Cada qual melhor atiça
O burro sempre na frente
Bufando vem para liça
Tudo que é bicho aderiu
Menos a dona preguiça

Havia imensa algazarra
Toda manhã, toda tarde
O quati não se calava
Promovendo grande alarde
Enquanto o boi só ficou
Pra não passar por covarde

Achavam já os grevistas
Que nada estava direito
Até pipira arvorada
Batia o bico no peito
Dizendo: "Pra me acalmar"
Só mesmo com muito jeito.

O macaco foi ao mato
Trouxe um rolo de cipó
E disse para o quati:
"Isso é pra dar muito nó
No patife que fugir
E deixar a gente só!"

A raposa convidada
Para a luta pela aranha
Respondeu: Não acredito
Estou farta de patranha
Tenho meu ponto de vista
Vou ver primeiro quem ganha

Começado o movimento
A formiga deu notícia
O tatu foi logo preso
Para o quartel de polícia
Mas pensando na vitória
Até se riu com delícia

O peru: numa contenda
Perdeu metade da crista
Já tinha havido a traição
Muitos estavam na lista
O galo foi deportado
Como sendo comunista

A questão não dava jeito
Já passava uma semana
O porco entrou num roçado
Comeu tudo que era cana
E o macaco foi pegado
Quando roubava banana

O quati viu-se perdido
Foi dando o fora apressado
Enquanto o trouxa do burro
Ali ficava enrascado
Sem saber que jeito dava
Naquele caso encrencado

Não havia mais comida
E nem tão pouco dinheiro
Mas a família Formiga
Tinha bem farto o celeiro
E quando foi procurada
Escondeu tudo primeiro

O jacaré, nesse tempo
Era o grande imperador
Sua corte era composta
Só de bichos de valor
Como a família Piranha
Onde tudo era doutor

Tubarão, o comandante
Duma valente brigada
Com corpos de infantaria
Do capitão peixe-espada
Mandava o zinco comer
na costela da negrada

Já quase desanimando
E arrependido da idéia
Resolveu a bicharada
Se juntar numa assembléia
Que teve muita ovação
No grande dia da estréia

Disse o burro: "Minha gente
Só quero ver como é
Ninguém mais hoje trabalha
Pra sustentar jacaré
Ele agora o que merece
É certeiro pontapé"

Pedido o auxílio da onça
Esta se comprometeu
E, disfarçada, em palácio
Uma noite se meteu
Quando chegou jacaré
Passou-lhe o dente e comeu

Tomou conta do governo
Debaixo de aclamação
E baixou logo um decreto
Em que fazia questão
De só comer jacaré
Que é de boa digestão

O resto dos jacarés
Vendo a vida por um fio
Abandonaram a cidade
Foram morar lá no rio
Nunca mais na terra firme
A raça dele se viu

Já para o fim, dona onça
Foi ficando diferente
Qualquer bicho que ela via
Passava logo no dente
Ninguém teve mais direito
Tudo andava descontente

Ao filho do jacaré
Um grupo enorme aparece
E o governo da nação
De repente lhe oferece
Mas este diz: "Cada povo
Com o governo que merece!"

E subindo para a praia
Falou com muita razão:
"Vocês pensavam que a onça
Ia salvar a nação
Mas querem ver o bonzinho
Bota-lhe a lança na mão"

Os conselhos recebidos
Fez, então, que não ouviu
E rematando a conversa
Os grandes olhos abriu:
"Vocês vão chorar na cama
Que ficou dentro do rio"

"A mim ninguém pega assim
Como pegaram meu pai"
Disse o jovem jacaré
Que no convite não cai
E termina murmurando:
"Pra lá o diabo é quem vai"

Voltaram todos os bichos
Se lamentando da sorte
A coruja arrependida
Já preferia era a morte
Ninguém mais tinha coragem
Ninguém sentia-se forte

O burro foi processado
Por mera perseguição
Perdeu toda uma fortuna
Que ganhou com "cavação"
Ficou quase na miséria
E foi para na prisão

A raposa era matreira
Mas se fingia de sonsa
Vendo o rumo que tomava
Toda aquela geringonça
Assinou um manifesto
Solidária com a onça

Cada vez a tirania
Manchava mais a nação
A onça só empapando
Comendo farta ração
Devorando os animais
Sem a menor compaixão

O bode compareceu
Num banquete oficial
Mas quando quis regressar
Sofreu um golpe fatal
Foi comido pela onça
Sem choro, sem funeral

Todos os bichos fugiram
Ninguém mais contava broca
Marimbondo amedrontado
Já não sabia da toca:
No reino arisco dos bichos
Tudo corria à matroca

Quando acabou o governo
Desse tempo de sobroço
No palacete da onça
Tinha um montão de caroço
E no tesouro de reino
Uma montanha de osso!

Um comentário:

  1. é muito legal e interesante é nois na fita kkkkkkkkkkkkkkk

    ass; camila princesinha

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